quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O Passado ainda lá está...







































































O Erro de Desconhecer o Passado

Uma obra não resolve nada, assim como o trabalho de uma geração inteira não resolve nada.
Os filhos - o amanhã - recomeçam sempre e ignoram alegremente os pais, o já feito. É mais aceitável o ódio, a revolta contra o passado do que esta beata ignorância. O que havia de bom nas épocas antigas era a sua constituição graças à qual se olhava sempre para o passado. Este o segredo da sua inesgotável plenitude. Porque a riqueza de uma obra - de uma geração - é sempre determinada pela quantidade de passado que contém.
Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver'

Paisagens






























































Diários de uma viagem... (II)


O sol soube tão bem...
Parecemos flores...
A desabrochar ao sol.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Ironias...

A propósito da minha viagem...
Não posso deixar de partilhar uma reflexão...

Ontem almocei na companhia de um grupo de pessoas, entre as quais o nosso primeiro ministro, ministro da economia, e ministro do ambiente... os discursos centraram-se no desenvolvimento económico, no combate à crise, e no desenvolvimento sustentado a bem do país e do futuro dos nossos filhos...

Hoje almocei, com amigos, sentada num afloramento rochoso, nas margens de um rio... considerado um dos poucos rios selvagens da Europa, com uma diversidade de espécies naturais (flora e fauna) dignas de registo...

Pergunto:
Estamos empenhamos na construção de um futuro melhor para os nossos filhos, sustentado pela alteração dos biótipos e super exploração de recursos... será este o melhor caminho ? é esta a única opção ?

E quando os nossos filhos nos perguntarem: "pelas baleias que cruzavam os oceanos ?"

Diário de uma viagem... (I)

Hoje começou uma viagem...

Um misto de trabalho e lazer, reforçado pela presença da minha companheira de blog...
Depois de muito nos lamentarmos do excesso de trabalho, merecemos e vamos aproveitar para carregar baterias...

No final de muitas (e enjoadas) horas de viagem, numa carrinha de caixa aberta, que faria inveja ao mais abastado fazendeiro, chegamos ao nosso destino...
Um hotel já conhecido... antecipamos com água na boca, o jantar, num pequeno restaurante, que nos recebe com um moscatel bem servido... e termina numa sobremesa, que faz esquecer a mais rigorosa das dietas...

Citando o titulo de um livro de Paulo Coelho (cuja literatura não aprecio, especialmente...mas, que a analogia me traz à memória): "Nas margens do rio (...) sentei...", mas não chorei...

Talvez devesse ter chorado, tão grande é a sensação:
... de plenitude, por estar num local tão selvagem, tão intocado pelo homem...
... de tranquilidade, os únicos sons são o correr da água e o chilrear dos pássaros...
... de privilégio, por reunir as condições para usufruir deste espaço, por viver estes momentos...
... de ausência, por não ter a possibilidade de trazer o meu pequenote comigo...
... de impotência, por saber que a conservação desta paisagem está comprometida a curto prazo.

E a viagem continua...


P.S: a Lirio do Campo fará a reportagem fotográfica.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Há dias...


















Não, não é Cansaço...


Não, não é cansaço...

É uma quantidade de desilusão

Que se me entranha na espécie de pensar,

E um domingo às avessas

Do sentimento,

Um feriado passado no abismo...


Não, cansaço não é...

É eu estar existindo

E também o mundo,

Com tudo aquilo que contém,

Como tudo aquilo que nele se desdobra

E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.


Não. Cansaço por quê?

É uma sensação abstrata

Da vida concreta

— Qualquer coisa como um grito

Por dar,

Qualquer coisa como uma angústia

Por sofrer,

Ou por sofrer completamente,

Ou por sofrer como...

Sim, ou por sofrer como...

Isso mesmo, como...


Como quê?...

Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.


(Ai, cegos que cantam na rua,

Que formidável realejo

Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)


Porque oiço, vejo.

Confesso: é cansaço!...


Álvaro de Campos, in "Poemas"

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Diálogos...

Depois de jantar...
Filho: "mãe, tu vais trabalhar no teu computador ?"
Mãe: "sim, filho... a mãe precisa de trabalhar"
Filho: "mas, mãe... tu não podes... já trabalhaste no teu trabalho todo o dia"

E fomos brincar... é a fase dos puzzles...

A Cidade dos Resmungos


Era uma vez um lugar chamado Cidade dos Resmungos, onde todos resmungavam, resmungavam, resmungavam. No Verão, resmungavam que estava muito quente. No Inverno, que estava muito frio. Quando chovia, as crianças choramingavam porque não podiam sair. Quando fazia sol, reclamavam que não tinham o que fazer. Os vizinhos queixavam-se uns dos outros, os pais queixavam-se dos filhos, os irmãos das irmãs. Todos tinham um problema, e todos reclamavam que alguém deveria fazer alguma coisa.
Um dia chegou à cidade um vendedor ambulante carregando um enorme cesto às costas. Ao perceber toda aquela inquietação e choradeira, pôs o cesto no chão e gritou:

— Ó cidadãos deste belo lugar! Os campos estão abarrotados de trigo, os pomares carregados de frutas. As cordilheiras são cobertas de florestas espessas, e os vales banhados por rios profundos. Jamais vi um lugar abençoado com tantos benefícios e tamanha abundância. Por quê tanta insatisfação? Aproximem-se, e eu mostrar-lhes-ei o caminho para a felicidade.

Ora, a camisa do vendedor ambulante estava rasgada e puída. Havia remendos nas calças e buracos nos sapatos. As pessoas riram ao pensar que alguém como ele pudesse mostrar-lhes como ser feliz. Mas, enquanto riam, ele puxou uma corda comprida do cesto e esticou-a entre dois postes na praça da cidade.
Então, segurando o cesto diante de si, gritou:

— Povo desta cidade! Aqueles que estiverem insatisfeitos escrevam os seus problemas num pedaço de papel e ponham-no dentro deste cesto. Trocarei os vossos problemas por felicidade!
A multidão aglomerou-se ao seu redor. Ninguém hesitou diante da oportunidade de se livrar dos problemas. Todos os homens, mulheres e crianças da vila rabiscaram a sua queixa num pedaço de papel e lançaram-no no cesto.
Observaram o vendedor que pegava em cada problema e o pendurava na corda.
Quando terminou, havia problemas a tremularem em cada polegada da corda, de um extremo a outro. Disse então:

— Agora cada um de vocês deve retirar desta linha mágica o menor problema que puder encontrar.

Todos correram para examinar os problemas. Procuraram, manusearam os pedaços de papel e ponderaram, cada qual tentando escolher o menor problema. Ao fim de algum tempo, a corda estava vazia.
Eis que cada um segurava o mesmíssimo problema que tinha colocado no cesto. Cada pessoa havia escolhido o seu próprio problema, achando ser ele o menor de todos.
Daí por diante, o povo daquela cidade deixou de resmungar constantemente. E sempre que alguém sentia o desejo de resmungar ou de reclamar, pensava no vendedor e na sua corda mágica.

William J. Bennett
O Livro das Virtudes II
Editora Nova Fronteira, 1996(adaptação)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Homenagens I

Existem pessoas que ao passar pelas nossas vidas nos deixam recordações, umas boas, outras...nem por isso.
Inicío aqui uma nova série, para homenagear aqueles(as) que me fizeram ser uma pessoa melhor (ou pelo menos tentaram...)

Poema da Auto-estrada

Voando vai para a praia
Leonor na estrada preta.
Vai na brasa, de lambreta.

Leva calções de pirata,
Vermelho de alizarina,
modelando a coxa fina
de impaciente nervura.
Como guache lustroso,
amarelo de indantreno,
blusinha de terileno
desfraldada na cintura.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

Agarrada ao companheiro
na volúpia da escapada
pincha no banco traseiro
em cada volta da estrada.
Grita de medo fingido,
que o receio não é com ela,
mas por amor e cautela
abraça-o pela cintura.
Vai ditosa, e bem segura.

Como um rasgão na paisagem
corta a lambreta afiada,
engole as bermas da estrada
e a rumorosa folhagem.
Urrando, estremece a terra,
bramir de rinoceronte,
enfia pelo horizonte
como um punhal que se enterra.
Tudo foge à sua volta,
o céu, as nuvens, as casas,
e com os bramidos que solta
lembra um demónio com asas.

Na confusão dos sentidos
já nem percebe, Leonor,
se o que lhe chega aos ouvidos
são ecos de amor perdidos
se os rugidos do motor.

Fuge, fuge, Leonoreta.
Vai na brasa, de lambreta.

António Gedeão, in 'Máquina de Fogo'

Arquitectura tradicional...portuguesa I





























































quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Natureza...V















Flor que não Dura

Flor que não dura
Mais do que a sombra dum momento
Tua frescura
Persiste no meu pensamento.

Não te perdi
No que sou eu,
Só nunca mais, ó flor, te vi
Onde não sou senão a terra e o céu.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Trabalho....

É verdade, temos andado completamente atoladas de trabalho mas... lá dizem os ditados

"Mais quero estar trabalhando, que chorando"

e também que

"Quem não trabuca, não manduca"

Por isso, trabalhamos sempre!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Noticias...

... a todos os cibernautas
Este blog está a sofrer as graves consequências do excesso de trabalho que afecta as duas signatárias.

Não, não se preocupem...
... excesso de trabalho, não é contagioso, podem continuar a ler

Por mim...
Vesti o pijama e já anunciei alto e bom som (para eliminar tentações desencaminhadoras...) que só o pretendo despir na segunda-feira.
Não, não vou ficar na cama todo o dia, no máximo às 7 da manhã estou a ser acordada (que remédio... quando se tem um filho que dorme sesta e adormece às 9 da noite)
Descansar...
Trabalhar, trabalhar, trabalhar...
Mimar o meu filhote...
Abusar violentamente do meu saquinho de água quente...
É o que pretendo fazer...

(Hummm... não me importava de juntar o filme a Troca à minha lista)

Um bom e quentinho fim de semana

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

CRISES...




















Períodos de Crise


Posso ter defeitos, viver ansioso
e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida
é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas
e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si,
mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã
pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica,
mesmo que injusta.
Pedras no caminho?


Guardo todas, um dia vou construir um castelo...


(Fernando Pessoa)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Tempos modernos

PARABOLA

Uma combinatória diabólica

Muito tempo passara já desde que Deus propusera, no monte Sinai, uns preceitos para o viver comum.
Tal como as criaturas feitas à sua imagem e semelhança, também ele se actualizara.
Estava agora feliz por ter lançado sobre os homens os ventos democráticos.
Lucifer continuava a visitá-lo regularmente para lhe estragar o bom humor.
A sua especialidade era agora o de colocar paradoxos e objecções científicas,
onde mostrava, com uma pitada de matemática azeda,
qualquer prato de livre arbítrio.
Sigamos o diálogo:
Lucifer (L):
Vejo-te muito feliz com a onda democrática.
Vamos a um exemplo; desce o scanner àquela rua,
daquela vila, daquele jardim à beira mar plantado onde aqueles seis trabalhadores,
três brancos, três pretos e um paquistanês,
vão abrir uma vala na rua recém alcatroada.
Deus (D):
Seja; de facto eles devem fazer uso da terra,
escolher três d'entre eles, para capatazes,
restando três para o trabalho de sapa.
Pelo método antigo eram sempre os três brancos os capatazes.
Mas eu tenho confiança na democracia representativa,
de que já todos seis ouviram falar,
tendo percebido a vantagem das eleições.
L:
Permitir-me-ás, portanto, que lhes sussurre o método eleitoral...
D:
Sim como é hábito deixo-te a regulamentação das minhas boas ideias;
não te esqueças que deves dar lugar para o livre arbítrio.
L: (susurrando à consciência dos operarios)
Ouvi a voz do Senhor ó operários!
Cada um de vós pode votar em um máximo de três nomes!...
(para D:) Vêde como eles, julgando aumentar o livre arbítrio, todos elegem três nomes...
(para si) Que bela é a ingenuidade divina, face aos amores e ódios dos homens que sempre permitem as facções e os lobbies...
D:
Então é este o resultado. Três brancos como capatazes,
como d'antes... não percebo... já me estragaste o dia.
L:
Espero que não; vou ao menos te dar uma lição de Combinatória,
facilmente generalizável.
Considera seis bolas numeradas distintas,1,2,3,4,5,6.
Se preferes escolhe ovelhas.
Pensa em quantos conjuntos diferentes de três elementos podes constituir.
Trata-se de encontrar as combinações de 6 elementos, tomados três a três;
seis factorial sobre três factorial sobre três factorial;
ou seja dá 20 combinações.
Suponhamos agora que três bolas são brancas, duas pretas e uma é castanha.
Só há uma combinação com as três bolas brancas.
Designemo-la pela combinação anti-democrática.
D:
O meu secundário já foi há muito tempo e eu sou mais de letras,
mas creio que te acompanho; mas o que queres provar?
L:
Infunde alma às bolas (ou ovelhas) e supõe que as bolas animadas são racistas e preferem a sua cor.
Repete a eleição anterior.
(Deus esboça um ar primeiro atonito e depois triste).
D:
Então, convencidas que o seu livre arbitrio é maior escolhendo cada uma três bolas, só a combinação anti-democrática é ganhadora...
L:
Pois é, mais uma vez "com papas e bolos se enganam os tolos".
Se cada bola elegesse uma só bola,
haveria chance para um resultado com ao menos uma bola negra entre os capatazes.
D:
Então esse método eleitoral é terrivel...
Realmente se, num parlamento,as decisões fossem tomadas por um colégio eleito no seu seio por método idêntico...
L:
Enunciemos o teorema:
Sejam N indivíduos,
onde N/2 formam um lobbie maioritário.
Elega-se um colégio de N/2 elementos,
onde cada votante selecciona N/2 nomes.
Então o colégio será formado precisamente pelos N/2 elementos do lobbie.
D:
Imagino que esse teorema pode ser formulado com condições menos restritivas mas com igual resultado...
L:
Sim, basta que os não pertencentes ao lobbie maioritário tenham pouca organização,
o que é fácil de obter na prática.
D:
Ai meu Deus! (o diabo ri-se) O que permiti...
Como a democracia é exigente e precisa da atenção constante e do desejo permanente de a aperfeiçoar!
L:
Podes sempre voltar a chamar Moisés..."

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Estranhas vidas as nossas
















Procuro-te


Procuro a ternura súbita,

os olhos ou o sol por nascer

do tamanho do mundo,

o sangue que nenhuma espada viu,

o ar onde a respiração é doce,

um pássaro no bosque

com a forma de um grito de alegria.


Oh, a carícia da terra,

a juventude suspensa,

a fugidia voz da água entre o azul do prado

e de um corpo estendido.


Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.

Chamo por ti, e o teu nome ilumina

as coisas mais simples:

o pão e a água,

a cama e a mesa,

os pequenos e dóceis animais,

onde também quero que chegue

o meu canto e a manhã de maio.


Um pássaro e um navio são a mesma coisa

quando te procuro de rosto cravado na luz.

Eu sei que há diferenças,

mas não quando se ama,

não quando apertamos contra o peito

uma flor ávida de orvalho.


Ter só dedos e dentes é muito triste:

dedos para amortalhar crianças,

dentes para roer a solidão,

enquanto o verão pinta de azul o céu

e o mar é devassado pelas estrelas.


Porém eu procuro-te.

Antes que a morte se aproxime, procuro-te.

Nas ruas, nos barcos,

na cama, com amor, com ódio,

ao sol, à chuva, de noite, de dia,

triste, alegre — procuro-te.


Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas"